Eudes Quintino de Oliveira Júnior
A imprensa mundial anunciou fartamente o estupro praticado por seis homens contra uma jovem de 23 anos de idade, que recebeu vários traumas cerebrais e veio a falecer na cidade de Nova Déli. O fator agressividade-violência, constantemente presente nas ações humanas, veio demonstrar mais uma vez que, apesar de todas as teorias desenvolvidas para elucidar determinados comportamentos impróprios, não se chegou ainda a uma conclusão satisfatória a respeito das causas determinantes. “Por isso o labor ingente, pondera Fernandes, com que se depara todo pesquisador ou estudioso do comportamento agressivo, sob o aspecto genérico, assunto, esse, de suma relevância no campo da Criminologia, considerando-se, inclusive, a agressividade como um fator inato no ser humano, ou adquirido, já que a partir desse impulso de agressão é que se cometem variegados crimes, que vão da mais leve agressão física até aquelas mais graves, como o estupro, o homicídio e o latrocínio”.1
Além da comoção popular, responsável pela sensibilidade
ética que levou a indignação para vários continentes, vem à tona o tema da
legalização da castração química para estupradores. A própria Índia começou a
rascunhar uma lei que aplica a pena de 30 anos de reclusão, além da castração
química. Não se pode desprezar, no entanto, o princípio da anterioridade da lei
(nullum crimen sine previa lege), que não alcançará os agressores do caso ora
relatado.
“O sentimento médio
comum, observa Costa, não é um resultado estatístico, mas uma análise dos
elementos de valor da sensibilidade ética do grupo, segundo uma equilibrada
concessão da vida humana e social em determinado momento histórico. Como no
estudo científico da vida humana, as verdadeiras dificuldades são, na prática,
a enorme complexidade dos dados e a imperfeição dos métodos de observação”.2
No Brasil o assunto
também se encontra em pauta para discussão. Tramita pelo Senado Federal o
Projeto de Lei 552/2007, que pretende aplicar a pena de castração química ou
esterilização eugênica ou, como pretende o autor do projeto, tratamento por
supressão hormonal, aos autores de estupro e abusos sexuais, que sejam
considerados pedófilos, com a finalidade de prevenir a reincidência de
criminoso com perfil definido de desvio sexual. A proposta legislativa traz uma
liberalidade e permite a redução da condenação para o infrator que aceitar a
aplicação de medicamento que diminua a libido. Sua inclusão no Código Penal seria
por meio do acréscimo do artigo 216-B.
Ocorre que a Constituição Federal, em seu
artigo 5.º, XLVII, letra “e”, proíbe terminantemente a imposição de penas
consideradas cruéis e a proposta legislativa se apresenta totalmente
incompatível com a regra maior. A determinação legal prevê o caráter de
hediondez para os crimes contra a dignidade sexual, insuscetíveis de anistia,
graça e indulto, fiança, obrigatoriedade de cumprimento de pena em regime
inicial fechado e a progressão de regime de cumprimento de pena somente poderá
ocorrer após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se for o condenado
primário e 3/5 (três quintos), se reincidente. A imposição da castração
química, sem obediência aos princípios da legalidade e anterioridade da lei,
faz nascer, por si só, outro ilícito, o de lesão corporal gravíssima,
consistente na perda ou inutilização de membro, sentido ou função.
Seria, por assim dizer, após atingir nosso ordenamento
regras que sejam condizentes com a dignidade humana, retornar à pena de
incapacitação do infrator, como é o caso da amputação da mão do furtador no
direito penal muçulmano. Presentes ainda os ensinamentos de Cesare Beccaria, em
seu livro Dos Delitos e das Penas, em que apregoa o fim de penas cruéis,
recomenda a feitura de leis mais justas e que sejam aplicadas conforme o delito
praticado. É o princípio da proporcionalidade da pena, tão defendido pelo
Direito Penal moderno.
Desta forma, pelo impedimento constitucional, não se
pode determinar coercitivamente na sentença que o infrator se submeta ao
tratamento de supressão hormonal, consistente na utilização de medicamentos
inibidores do apetite sexual. A não ser que o agente, voluntariamente, opte
pelo tratamento, que lhe traria o benefício da diminuição da pena. Num caso
concreto, levando-se em consideração a gravidade do crime, a exasperação da
pena, o pedófilo irá optar certamente pelo tratamento, com a consequente
benesse legal. E quem garantirá que o tratamento realizado por um período de
tempo acarretará a cura e a irreversibilidade da doença? Não é somente a
medicação reguladora da testosterona, que é o hormônio responsável pela
regulação da função sexual, que irá inibir a prática de novo crime.
Parece até que a humanidade caminha pela contramão de
direção da evolução cultural, praticando crimes considerados primitivos. Quando
se pensa que o homem adquiriu mais conhecimento, dominou a parafernália
tecnológica que envolve o mundo numa só rede, transformando-o num ser mais
racional e maduro, depara-se com crimes absurdamente gritantes, como o estupro
de Nova Déli e aqueles de assassinatos em massa, com a utilização de armas de
alto calibre, principalmente contra crianças que frequentam escolas infantis.
1 Fernandes Newton; Fernandes Valter. Criminologia integrada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 1995, p. 117.
2 Costa, Álvaro Mayrink da. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 454.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde e é reitor da Unorp
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