segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

ENTREVISTA: CARLOS BRITTO E A POESIA

Carlos Britto
A entrevista estava marcada para ocorrer num café no Pontão. 0 ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Augusto Ayres Britto chegou pontualmente às 15h. O assunto não era mensalão, política, mas literatura. De início, esse homem de 70 anos, que presidiu a mais alta Corte do país até 18 de novembro, quis admirar o Lago Paranoá e confessar a paixão pelos traços de Oscar Niemeyer diante da Ponte Costa e Silva: Parecem garças no lago.
Nascido em Propriá, interior de Sergipe, Ayres Britto, de voz mansa e de humor suave, conversou com o Correio por mais de uma hora sobre sua origem, críticos, escritores favoritos e, o mais importante, seus poemas. Está para lançar o sexto livro, DNAlma, e ocupar uma cadeira na Academia Brasiliense de Letras*.

Por favor, fale um pouco da origem. Do menino Ayres Britto.

Um menino do interior que viveu em várias cidades de Sergipe, das quais meu pai era juiz: Propriá, Gararu, Japaratuba... Tive uma infância boa, do ponto de vista familiar, mas com dificuldades econômicas. Nós éramos 11 irmãos e a única fonte de renda era meu pai, que, à época, não era bem re~ munerado, porque a magistratura não pagava bem. Todos nós tínhamos limitações de ordem material, mas uma infância em que a unidade familiar era muito sólida. Portanto, permeada de carinho, principalmente por parte.de minha mãe, que era chegada à arte, à música. Ela cantava e tocava piano e violão. Meu pai era um juiz das comarcas e muito estudioso. Voltado para as letras, era da Academia Sergipana de Letras. . . O menino Ayres Britto foi um típico garoto de província, de família e de religião — toda a família é católica.

Como e quando foi o seu primeiro encontro com a literatura?

Com 12 anos, já escrevia poesia, porém, tinha mais intimidade com a filosofia. Lembro-me de que, nessa idade, entrava em êxtase com os livros de (Ar--thur) Schopenhauer, a partir de Dores do mwMfe; Também, admirava poetas; sobretudo os parnasianos, como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia... e os poetas românticos Fagundes Varela, Castro Alves, Alvares de Azevedo... nunca mais parei de me identificar com os livros. Lembro-me de que, relativamente jovem, fiz um poemeto que começava assim: Ler. Como eu leio sempre que posso. E como eu posso sempre que leio. Me identificava muito com os versos de Castro Alves sobre os livros: Livros... livros à mão cheia.../ E manda o povo pensar!/ O livro caindo ríalma/ É germe — que faz a palma, /É chuva—que faz o mar.

0 senhor guarda boas lembranças...

Era um tempo romântico, lírico, bucólico até. Um tempo em que as pessoas se olhavam nos olhos umas das outras, ou seja, não havia esta competição predatória dos nossos dias. Era uma vida interiorana, em que as pessoas conversavam em cadeiras nas calçadas, nas varandas próximas das ruas, cadeiras de balanço, cadeiras de espaldar. Ainda garoto, já dizia estes versos: Quem primeiro se senta nessas cadeiras estendidas na calçada é a própria tarde— era um rudimento de poesia (risos).

E sua vida acadêmica na Universidade Federal de Sergipe, como conciliar a literatura e os estudos sobre o direito?

Com 18 anos, servi ao Exército. Meu pai disse: Juiz tem que dar bom exemplo a partir da família dele, você vai servir ao Tiro de Guerra. Mas eu queria fazer o vestibular. Porém, meu pai insistiu: Eu também servi. Ele foi do CPOR e serviu na Bahia. Fiquei no Exército e foi muito bom. Fui atirador, número 22, Ayres era meu nome de guerra. Aprendi lições importantes de patriotismo, de civismo. Meu pai estava certo. Embora tenha uma visão uni-Versalista do mundo, sou muito brasileiro, gosto do nacionalismo saudável. Aos 19 anos, passei no vestibular para direito. Fiz um curso de cinco anos marcado pelo gosto com os estudos. Durante esse período, me senti vocacionado para os estudos jurídicos. Mas sempre conciliando o direito coma literatura. Sem qualquer antagonismo. Percebia que o meu dom literário favorecia meu perfil de estudante de direito, porque me dava o gosto pelos livros, pelos estudos, e fui percebendo que a poesia em mim era indispensável à formação jurídica. Porque a poesia nos ensina a fazer distinções sutis no plano existencial, e o jurista é refinado quando é capaz de coneeituações sutis, de ler informações nas entrelinhas. Até hoje penso assim. Muitas vezes, o meus conceitos jurídicos, ou o meu modo de equacionar uma causa, parte de uma tirada poética. Claro que passo a submeter essa percepção poética ao crivo da reflexão.

Fernando Pessoa seria hoje o poeta que o senhor mais aprecia?

A partir dos meus 25 anos, ele começou a fazer parte das minhas leituras mais freqüentes, até hoje. Porém, com o tempo, fui me aproximando do haicai, dos poemas zás, dos oxímoros, um tipo de verso curto, impactante, aparentemente paradoxal, que corresponde a um transitar por um fio de navalha entre o lógico e o ilógico. Por exemplo, Kandinsky dizendo assim: Não há nada que não diga nada, um poema zás, um oxímoro. Sócrates: Só sei que nada sei. Ou Rita Lee: Nada melhor do que não fazer nada (risos). Abel Silva: Ã juventude é uva. Depois passa. Tenho alguns, como: O bom é que o ralo da história nunca entope, ou seja, os bandidos vão terminar descendo pelo ralo da história. Temos grandes poetas ligados aos oxímoros, Manoel de Barros, Fabrício Carpinejar, Paulo Bonfim. Manoel de Barros diz assim: Os poetas salvam as palavras da esclerose Está perfeito! (risos).

Quais escritores o senhor tem na estante, o que gosta de ler ou reler?

Na poesia, Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa, Fabricio Carpinejar, Carlos Nejar, Manoel de Barros, Boa-ventura de Sousa Santos... Gosto de citar em meus votos poetas e compositores populares. Quantas vezes citei Chico Buarque, Paulinho da Viola, Djavan. Para mim, Djavan é autor dos versos sociais mais bonitos da língua portuguesa: Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar? Nos poetas, nos literatos e nos compositores populares, há preciosíssimas lições de vida, além da beleza estética das formas. Elas rimam com as fundamentações jurídicas exigidas pela causa.

De Teletempo, em 1980, a Ópera do silêncio, em 2005, em que o poeta Ayres Britto mudou?

Mudou a tendência para a síntese, sem prejuízo do lirismo. Por exemplo, estava numa sessão administrativa do Supremo olhando a vidraça e percebi que caía uma garoa. Aí fiz um poemeto que é minha marca registrada dos últimos anos: O caso da garoa,/ não é molhar o chão/ É gotejar o silêncio. Outro: A lua entrou na casa do joão-de-barro/ e dormiu com ele/ saiu emprenhada de estrelas. No meu primeiro livro, Teletempo, publiquei 18 oxímoros, um deles: A liberdade de expressão/ é a maior expressão de liberdade.

E sobre o seu novo livro, o DNAlma?

É o DNA da alma. Já está pronto e deve ser lançado no primeiro semestre de 2013. É o mais volumoso, tem também poemas longos.

0 senhor tem um momento específico para escrever poemas, ou isso pode acontecer em qualquer situação?

A qualquer momento, em restaurantes, em aviões, no cinema... é um estalo. É um som que passa, uma nua vem, uma palavra... As pessoas comuns fazem da experiência uma linguagem. Mas os poetas fazem da linguagem uma experiência.

Como foi conviver com críticas ao seu estilo à frente do STF?

Aminha trajetória de vida, inclusive no Supremo, sempre foi marcada por atração e repulsão. Há pessoas que adoram meu jeito de ser, me acham leve, mais novo... para repetir Caetano Veloso: livre, leve e solto (risos). E outras não aceitam o meu modo d uai, binário de ser, ao mesmo poeta e jurista, acham que uma coisa briga com a outra. E, como de 12 anos pra cá, venho tentando aproveitar como teoria jurídica algumas teorias quânticas, aí é que as críticas mais se acentuam. O novo sempre incomoda. Quando você se vê diante do inédito, você não tem parâmetros, porque está habituado com o lugar comum, com o clichê. Aí, vem alguma pessoa com uma proposta original, você fica sem parâmetro para avaliar o antecipado, e não ter parâmetro é se sentir inseguro. Qual é a reação do inseguro? Desancar o que provocou sua insegurança, pois ele saiu da zona de conforto.

Qual é sua expectativa para assumir uma cadeira na Academia Brasiliense de Letras?

Gosto do ambiente acadêmico, institucionalizado. Experimento na Academia Brasileira de Letras Jurídicas e na Academia Sergipana de Letras um ambiente que favorece a continuidade do seu pendor beletrista. Um colega, um confrade estimula o outro, o clima é de instigação criativa. É saudável essa convivência entre pessoas que cultivam as letras. Vou para a Academia Brasiliense de Letras com esse ânimo.

Um sergipano em Brasília e longe do mar. 0 que a capital do país tem de bom e o que ela precisa melhorar?

Profissionalmente, Brasília é o centro do Poder Judiciário. É o espaço mais efervescente das lides forenses, propiciando um conhecimento mais atualizado e aprofundado do direito positivo. Existencialmente, Brasília oferece um tipo de soberania que é instigante para a criação artística, que é a soberania do verde. É uma cidade densamente arborizada e abriga um lago muito bonito, de modo a compor uma paisagem bem equilibrada. Além dos espaços abertos e de um céu profundamente azul.

E o que precisa melhorar?

Vejo com preocupação o avanço da construção civil nestes espaços que deveriam estar a salvo de edificações. Percebo que as praças estão sendo tomadas pelos edifícios. Estou vendo o verde cedendo espaço ao cimento armado.

0 senhor foi bom de bola mesmo? (risos)

Eu me considerava extremamente habilidoso. Meu sonho era ser jogador de futebol, era ambidestro e tinha como referência na juventude, em 1950, o centroavante do Vasco Ademir Menezes. Lá depois, adulto, minha referência passou a ser Roberto Dinamite. Jogava como meio-campista avançado. A bola só saía do meu pé redonda (risos). A minha vida era do campo de futebol para a biblioteca do meu pai.

E sobre o julgamento do mensalão? Qual é sua sensação agora, já aposentado, de todo esse episódio da história do país?

Vejo pelo prisma da necessidade desse julgamento. Era preciso julgar esse processo, porque constituído de fatos, acontecido há mais de sete anos, com denúncia recebida há mais de quatro anos e instrução ultimada há mais de um ano, então era preciso julgar. Porque, finda a instrução criminal, diz a lei, sobrevem o julgamento. E o julgamento se deu em ambiência de isenção, por parte dos julgadores, transparência e respeito tanto ao contraditório argumentativo dos julgadores quanto das partes processuais. De sorte que o Supremo, sem nenhum açodamento e sem nenhum ímpeto persecutório, produziu uma decisão tão juridicamente correta quanto justa em sua materialidade.

Qual lição fica para o brasileiro comum?

Diria que a lição que fica é de que todos são iguais perante alei. Ninguém está acima da lei.
*A entrevista foi publicada neste domingo (09) no Correio Brasiliense e foi feita e redigifa por José Carlos Vieira » Carlos Alexandre

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